O bom médico é aquele que refaz, mesmo sem o saber, a trajetória da medicina através dos tempos. Como Hipócrates (460-377 a.C.), sabe que a vida é curta, mas a arte é longa; sabe que a ocasião é fugidia, a experiência, enganadora, o julgamento, difícil. Em suma: sabe que a doença representa um estraordinário desafio tanto em termos de conhecimento, quanto de equilíbrio emocional. Mas também sabe, como Hipócrates, que é preciso enfrentar o desafio com os meios que estão ao seu alcance. E a isso não se recusa. O bom médico sabe, como o francês Ambroise Paré (1510-1590), que curar é mais do que intervir, curar, como diz a origem latina da palavra, significa cuidar. Notável cirurgião, Paré revolucionou o tratamento dos feridos de guerra. Até então, os médicos limitavam-se a amputar pernas e braços, cauterizando os cotos com óleo fervente - o que resultava numa mortalidade elevadíssima. Que Paré diminuiu drasticamente simplesmente pelo uso de compressas úmidas nos ferimentos, o que reduzia a possibilidade de infecção. O bom médico sabe, como o inglês Thomas Sydenham (1624-1689), que a enfermidade tem certa lógica; segue aquilo que se pode chamar de uma história natural, que aos poucos, e seguindo um trajeto mais ou menos previsível, transporta a pessoa para uma outra realidade, a realidade da doença. Mas é exatamente esta trajetória que permite o estabelecimento de uma estratégia: prevenir a doença no sadio, diagnosticá-la precocemente no já enfermo, promover o seu tratamento se manifesta. O bom médico sabe, como o alemão Rudolf Virchow (1821-1902), que a doença deve ser procurada não apenas no que é visível, mas também ali onde os olhos não enxergam. Ele sabe que é preciso recorrer ao microscópio (e à radiologia, e à endoscopia, e a tantos outros métodos) que ampliam e complementam a capacidade de exploração do médico. Ampliam e complementam, mas não a subtituem. Político militante, Virchow também não deixou de denunciar as más condições sociais como causa da doença. O bom médico sabe ir do micro ao macro quando necessário. O bom médico sabe, como o judeu austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que é preciso ter coragem de defender as próprias convicções (como aquelas sobre a existência do inconsciente), mesmo quando elas se chocam com os preconceitos e as ideias pre- estabelecidas. O bom médico sabe, como o brasileiro Oswaldo Cruz (1872-1917), que é preciso enfrentar a doença na população, mesmo trabalhando na complicada fronteira entre medicina e política. Neste Dia do Médico, temos de lembrar que o bom médico talvez não seja tão famoso como Hipócrates ou Paré, quanto Sydenham ou Virchow, quanto Freud ou Oswaldo Cruz, mas que, para seu paciente, para a comunidade da qual cuida, ele é a própria medicina, ciência e arte. - Nicanor Letti - site: nicanor.letti@terra.com.
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