Caro colega Dr. Nicanor Letti.
Tenho lido, com interesse crescente, a Historia do Centro Acadêmico Sarmento Leite, que vem escrevendo no "Jornal da Amrigs". Como testemunha de muitos fatos, no periodo entre 1931 e 1937, considero-me com o direito de meter o bedelho no assunto. Ate a data da fundação da Universidade do Rio Grande do Sul, pelo Governador Flores da Cunha, o Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina tinha uma vida muito ativa, sobretudo, muito independente, porem sem vinculos oficiais. Os estatutos da nova Universidade concediam participação do corpo discente na direção da instituição mediante um lugar reservado ao representante dos estudantes, no Conselho Universitário. Para isso, as eleições de Centro Academico passaram a ser presididas pelo Diretor da Faculdade. Eu era, naquele tempo, representante de serie no Centro e candidato a sua presidência. A eleição foi muito disputada tanto que a perdi apenas por um voto para meu contendor e colega Gernot Wiltgen. Culpado fui eu mesmo porque votei em outro candidato por escrúpulo em votar em mim mesmo. Caso tivesse votado em mim próprio, o resultado seria um empate, e o Prof. Guerra Blessmann. que presidia a assembleia dos estudantes, teria dado seu voto de Minerva em meu favor, por ser eu o candidato mais antigo como estudante, era doutorando, enquanto Gernot era quarto anista. Tive de consolar-me com a vice-presidencia. Fui também representante da Medicina na FEUPA, junto com outros colegas: Jose Mariano da Rocha e Celso Papaleo. Havia campos opostos na FEUPA (Federação dos Estudantes da Universidade de Porto Alegre), um de centro-direita e outro de esquerda. Os primeiros tinham maioria formada pelas Faculdades de Economia e Belas Artes, alem de outros representantes, quase todos de orientação católica (Naquele tempo a juventude universitaria católica - JUC- tinha muita força). Na medicina, Mariano da Rocha era da facção centro-direita e conseguiu se eleger para a presidência da entidade, Papaleo e eu ficamos ao lado da minoria. Logo no inicio dos trabalhos, surgiu uma questão fundamental, a representação dos estudantes junto ao Conselho Universitario. Mesmo sem uma única manifestação oficial nesse sentido , resolvemos que o presidente da FEUPA comparecesse as sessões do Conselho Universitário, embora sem convite formal da direção da Universidade. A parada era dura porque o presidente do Conselho Universitário era o Magnifico Reitor André da Rocha, um dos últimos abencerragens do autoritarismo borgista, naqueles anos de ventos renovadores pós-revolução de 30. Quando viu o estudante dentro do recinto da sessão, perguntou-lhe secamente que desejava. O jovem declinou enfaticamente sua condição de representante do Corpo Discente da Universidade. Pura e simplesmente foi convidado a retirar-se, o que foi constrangido a fazer por não receber o apoio de nenhum dos conselheiros presentes. Assim começava a participação do corpo discente nos destinos da recem fundada Universidade do Rio Grande do Sul. Houve muitas outras lutas que estivemos empenhados, destacando-se a da preservação da Casa do Estudante - constantemente ameaçada por falta de recursose da defesa dos estudantes universitários vitimas de perseguições politicas. Naquela epoca, as atividades de esquerda estavam em confronto com os movimentos fascistas muito em evidencia. O integralismo tomava conta do pais, havia estudantes de camisa verde ate entre os residentes da Casa do Estudante; pelotões de "ballile" exercitavam-se no terraço da Italica Domus, bem defronte a Santa Casa, onde estudavamos; e os estudantes dos colegios alemãs vestiam o uniforme caqui da Juventude Hitlerista. O governo do General Flores, embora de fundo liberal, dava as suas prendidinhas e espancadinhas em estudantes comunistas. Um dos casos que lembro, foi o do nosso colega Adolfo Pffeifer Kkrebs que foi preso arbitrariamente e recolhido a Casa de Correção, por ser tesoureiro do Socorro Vermelho, entidade assistencial fundada pelo PC. O nosso grupo de esquerda, a minoria tinha a maior dificuldade em obter qualquer decisão da FEUPA. Valiamo-nos de prolongar indefinidamente as sessões, ate que nossos adversarios, menos crentes, abandonassem a sala e nos permitissem momentânea superioridade de votos, para desagrado do Sr. Presidente Mariano da Rocha, que era o líder da facção centro-direitista, sob orientação da JUC. Alem das atividades politicas a FEUPA era muito ativa no meios socio-recreativos e esportivos. Como havia bons atletas no meio universitario e não conrassem com recursos. fizemos um convénio com o Esporte Clube Americano, que resultou no Americano-Universitario. Um projeto elaborado por mim, para construção de uma Casa do Estudante com a contribuição de cada municipio do Estado, não foi levado adiante. A ideia era pretenciosa e supunha um estabelecimento de grandes proporções capaz de abrigar todos os estudantes necessitados, provenientes da capital e do interior. As proporções megalomegalicas do projeto e a decisão memoravel do Sr. Lelo de Almeida em doar um predio inteiro de apartamentos para a Casa do Estudante, em memoria de seu filho único, o advogado Aparicio Cora de Almeida, tragicamente desaparecido, ocorreram para meu projeto morrer na casca. Sãs estas as passagens que se conservaram em minha memoria, depois de 50 anos. Registro-as aqui como subsidio modesto ao teu magnifico trabalho. Vom os melhores augúrios, abraça-te cordialmente. Dr. Alvarino Fontoura Marque - Nicanor Letti
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