Faculdade de Medicina da UFRGS

O perfil politico de Sarmento Leite

Corria o ano de 1915, o cadaver do ilustre senador pelo Rio Grande do Sul, Jose Gomes Pinheiro Machado, morto no Rio, por punhal assassino, estava transpondo a Barra, recem aberta. Comitivas politicas de todo Estado movimentavam-se para recebe-lo no Porto de Rio Grande e transporta-lo em cortejo maritimo ate Porto Alegre, onde se realizaram as mais famosas e concorridas exequias funebres de nossa historia. La estava, representando a Faculdade de Medicina e Farmacia "persona non grata" da politica da Partido Republicano Rio Grandense, e seu Diretor recem eleito: Sarmento Leite. À Protasio Alves que se surpreendera com sua presença, à noite em plena Lagoa dos Patos respondeu sarcasticamente: "pobre só vai para frente empurrado". A Faculdade Livre de Medicina e Farmacia, a terceira a ser instalada no Brasil, catava migalhas de todos os lados para sobreviver. Foi apos esta atitude de Sarmento e outras visitas que fez ao Dr. Protasio Alves, vice-presidente estadual, fundador e primeiro diretor da Faculdade que o governo do poderoso e incorruptivel Borges de Medeiros começou a mudar as agulhas. No ano seguinte, o novo edificio do Campo da Redenção estava inacabado e as obras paradas, recebeu do Estado vinte contos de reis, que muito ajudaram para seu término. Foi inaugurado em 1924, com todo o mundo oficial presente , tendo a frente Borges e Protasio. Na época o grande cuidado politico de Sarmento Leite era não misturar sua obra com a luta contra a liberdade profissional, permitida pela constituição positivista. Tocar em assunto desta natureza era o mesmo que um negro bulir com moça de Filadelfia no seculo passado , seria linchado. Sarmento sabia dessas coisas e logo apos qualquer protesto estudantil, la ia ele, conversar com Protasio no Palacio do Governo, muito se respeitavam e era recebido prazeirozamente. Sabia tambem que tinha em sua Congregação filiados de todas as qualidades e conseguia segura-los habilmente. Os estudantes o respeitavam, fora atraves deles que se progetara na Faculdade. Em 1906, apos a reprovação da tese do doutorando Eduardo Soares de Barcellos, sobrinho do cel. Antonio Barcellos. Provedor ha 25 anos da Santa Casa. Sairam os estudantes em passeata pelas ruas da cidade gritando: morras à banca! Abraçado com Reynaldo Frederico Geyer, Sarmento Leite, aprovava o protesto. Na época era professor de Anatomia e cirurgião da quinta enfermaria da St. Casa. Todos os alunos foram identificados e no dia seguinte a Congregação puniu todos os alunos com um ano de suspensão. Sarmento votou contrario a esta decisão. O caso teve grande repecussão e só terminou no ano seguinte, apos recurso interposto pelos advogados: Dr. Plinio Casado e Tiburcio de Azevedo junto ao Governo Federal. Afonso Penna em abril de 1907 assinou a revogação da Ata de punição dos alunos. Alguns professores pediram demissão e Protasio Alves pediu licença e foi trabalhar no Palacio com Borges de Medeiros. Os positivistas consideraram este ato uma intervenção estatal num orgão livre de ensino. Habilmente Sarmento saira vitorioso tres vezes na crise: conseguira afastar a Faculdade da tutela doutrinaria do Governo Estadual, expressa na famosa carta de Julio de Castilhos, por outro lado caiu nas benesses do provedor da Santa Casa, e com esta decisão Victor de Brito começou a realizar o ensino nas enfermarias. E Sarmento conseguiu finalizar o Instituto Anatomico em terreno cedido pelo provedor, sendo inaugurad0 em 1909 como o melhor da America Latina. Por ultimo Sarmento mantinha uma certa desconfiança dos estudantes, pois sabia como expressou em carta "eles são como plateia de circos que alimentam sempre a secreta esperança que o leão devore o domador" A partir desta epoca, quando todo mundo achava que a faculdade começava a fazer agua, um grupoo de professores, junto com seu diretor "que apesar de ser considerado maragato", tinha e mantinha amigos nas sete colinas do poder estadual, tomou as redeas e de dentro para fora sustentaram com recursos proprios a instituição. Sarmento afirmou nesta epoca: "carregar bilhas de agua a fonte é trabalho muito importante" Foi o que fez começando procurar entre os formandos "algumas pedras brutas para serem lapidadas". Descobriu Mario Totta, Guerra Blessmann, Raimundo Vianna, Martim Gomes, Ney Cabral, Raul Pilla, Elyseu Paglioli e muitos outros. Aceitou o convite de Otavio Rocha para ser vereador (conselheiro municipal). Chegou um dia de calor e foi retirando casaco e paleto, e se abanava junto ao ventilador. Outro conselheiro advertiu: o Sr. é médico vai ficar doente tirando toda sua roupa. Sarmento respondeu :Aqui não seu medico nem diretor da Faculdade, sou conselheiro municipal, posso fazer qualquer bobagem. Manteve atitudes ironicas e sarcasticas durante toda a vida. O estudo de sua figura revela um individuo de grande poder politizante mas que aparentemente não aparecia. Não era cultivador da imparcialidade ingenua da atualidade universitaria, envolvia-se de sobrecenho carregado, mas jamais conduzio as tensões aos niveis que geram limites sem retorno. Em plena luta pela federalização da Faculdade, logo apos a Revolução de trinta, escrevia a Belisario Penna"a maioria afirma que no meio esta a virtude, na minha oinião no meio esta a mediocridade.As relações pessoais com os governantes, o respeito de toda a classe médica que ele cultivava e o cargo chave que o mantinha como diretor, manipulava-os em consolidar a Instituição e o que mais o afligia eram as dissenções internas. Pouco antes de sua morte em 1935 confessava ao seu discipulo e amigo Elyseu Paglioli a preocupação e revolta com o clima de desentendimento e disputa reinante no seio do corpo doscente. Quando o doutorando Josino de Vasconcelos Chaves foi morto na rua da Ladeira pelas forças policiais do Estado, durante uma passeata estudantil, quem pronunciou a oração funebre a beira do tumulo foi Sarmento Leite, carregando não só a irritação politica da epoca mas a serenidade que lhe incumbia ter no momento do confronto. Não delegou tal responsabilidade, nem se omitiu, assumiu todas as consequencias do episodio pois ambas as partes respeitavam a figura de Sarmento Leite. O dessassombro ao enfrentar tais situaçõesm aliava-se a uma humildade franciscana invejavel. Conta um médico que fez os exames preparatorios em 1926: entusiasmado dirigiu-se para a Faculdade para fazer sua matricula. Encontrou o "velho" descendo as escadas e perguntou-lhe onde poderia matricular-se? Encarou o futuro aluno e lhe disse: Eu sou funcionario antigo mas acho que é nesta porta a direita. No dia seguinte surpreso verificou quem registrava recebia os documentos e cobrava era o proprio Sarmento. Por que não me disse ontem que era o Sr que matriculava. Sabes, eu sou funcionario antigo e o outro encarregado faltou hoje e eu faço sua matricula. No primeiro dia de aula surpreso viu entrar na sala de Anatomia o velho e brilhantemente dar a primeira aula e explicar toda a sistematica de comportamento que deveriam ter durante o ensino na Faculdade. No fim da aula o aluno não se conteve e perguntou-lhe: Por que o Sr. não me disse que era o professor. Menino respondeu Sarmento, eu sou funcionario antigo e como o professor não veio vou dando as aulas e riu sarcasticamente. O manuseio politico que realizava de certas personalidades de seu tempo era genial, e ao mesmo tempo simples, o que lhe conferia um respeito todo peculiar, mas decorria de alguns fatos: conhecia com detalhes as leis do ensino, sabia utiliza-las nos momentos certos e silenciava sobre assuntos delicadissimos, como o caso da Escola Medico-Cirurgica, apoiada pelo governo Borges,ostensivamento e criada em 1915, com a finalidade de esvasiar a Faculdade Livre de Medicina e Farmacia. Nunca citou em qualquer momento o nome da escola borgista. Era uma pedra em seu calcanhar da qual nunca tomou conhecimento. Possuia um passado de estudante com vivencia politica das mais intensas, cursara a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro de 1885 a 1890, época de acontecimentos marcantes na vida da Nação: fora abolida a escravatura e proclamada a Republica. Estudante vivo e lido e contemporraneo de Aloysio de Castro e aluno de Torres Homem, o maior clinico do seu tempo, só poderia assimilar esperiencias politicas e humanas as mais consentaneas, reveladas no tempo que consolidou A Faculdade como seu diretor de 1915 a 1935. Foi o primeiro cirurgião a operar o apendice no Rio Grande do Sul em 1897. Cirurgia que geralmente produzia peritonite. Foi divulgada quando o duque de Windsor, nas vesperas de sua coroação foi operado pelos cirurgiões ingleses. E desenvolvida pelos irmãos Mayo nos EE.UU. A rapidez de raciocinio demonstrava-a em todas as ocasiões. Na solenidade de lançar a pedra fundamental do Hospital Sanatorio Belem, o arcebispo Dom João Becker, decorreu longamente sobre tuberculose, emitindo conceitos corretos sobre a tuberculose. Sarmento que estava ao seu lado, e baixo de um sol escaldante, foi o orador seguinte, apos saudar as autoridades virou-se para o arcebispo e lentamente foi dizendo: Apos termos ouvido a brilhante e erudita aula dada pelo Sr. Arcebispo sobre a doença que será tratada nesta casa, nada mais me resta pedir as bençãos do Senhor sobre este Hospital". e encerrou o discurso. Durante uma greve estudantil , os alunos ocuparam as escadarias . Sarmento dirigiu-se ao lider da greve, e tirou o molho de chaves da Faculdade e entregou-o ao estudante dizendo: O senhor é o responsavel de agora em diante pelo arquivo, cofre e todas as dependencias da Faculdade. O estudante lider não aceitou as chaves e a greve esvasiou-se como por encanto. Nicanor Letti



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