Na casa do Professor Diogo Ferraz na rua da Varzea (hoje João Pessoa), as vozes elevadas da violenta discussão daquela tarde do ano de 1914 atraiam os vizinhos curiosos que espiavam pelo janelame baixo, o movimento inusitado de gente fervilhando na roda de café. Ferraz era pessoa respeitada, de grandes amizades. Fundador da Biblioteca da Faculdade de Medicina e professsor de Propedeutica Cirúrgica. Tambem ensinava matematica no Colegio Militar. O mais agitado era o Dr. Vicente Pereira que gritava com sotaque lusitano: "Devemos velar pela nossa dignidade, não podemos admitir a liberdade profissional, acabaremoos andando de quatro patas". Referia-se a politica do Estado sob a égide da constituição positivista de 1891, permitia o livre exercicio de qualquer profissão. O Rio Grande do Sul estava infestado de falsos médicos, principalmente enfermeiros que haviam fugido da Primeira Guerra Mundial, que se iniciava na Europa. Aqui chegados, registravam-se na Diretoria de Higiene como médicos e começavam a exercer a profissão. Esta situação esdruxula e terrivel só foi sanada, apos a Revolução de 30 por decreto de Getulio Vargas, depois de intensa luta politica, da qual resultaram: a regulamentação da profissão médica no Brasil, a criação do Sindicato Medico do Rio Grande do Sul e a Federalização da Faculdade de Medicina. Enquanto o velho Diogo Ferraz pedia que moderassem a tonalidade, Dioguinho, ainda menino, contava que fugia para o quarto, temeroso de qualquer conflito e lembrava-se da voz forte do otorrino Vicente Pereira. Era um portugues nascido na pequena colonia de Macau, junto a China. Cursara a Faculdade de Medicina de Edinburgo na Escócia, e especializara-se nos Hospitais da capital Britanica. Fora cirurgião do "Hospital Real Italiano" do "Great Northern Central" e do "Center Hospital" de Londres" Estabeleu-se em Porto Alegre em 1906 ou 1907 com consultorio na Pharmacia Popular na rua dos Andradas 263. Atendia das 9 as 11 hs. e residia na Pensão Schmidt. Não conseguimos dados maiores dos motivos de sua vinda para o RGS. Mas supomos ter sido a propaganda feita em Londres pelo capitalista americano Percyval Farqhar dono das Estradas de Ferro do RGS e construtor da Barra do Porto de Rio Grande, ele levantava emprestimos em Londres e Paris para suas obras no Brasil. Seus protetores e entusiastas eram o Ministro de Obras Lauro Muller e Ramiro Barcellos gerente das pedreiras em Pelotas onde levavam para Rio Grande as enormes pedras que la estão estreitando o canal da Barra e portanto afundando o canal, foi a maior obra hidraulica das Americas, antes da construçao do Canal do Panamá. Vicente Pereira deve ter trabalhado 10 ou 11 anos em Porto Alegre e acumulou consideravel fortuna. Em 1917 anunciava no "Correio do Povo" ter reencetado a clinica na rua Independenccia numero 15. Nesta época eram medicos da especialidade o Dr. Victor de Britto e seu genro o Dr.Julio de Sousa Velho, com consultorio no numero 5o. da mesma rua. À noite era companheiro do grande pianista e compositor Radamés Gnatalli, mas tocava piano animando o cinema mudo. E frequentavam o "Clube dos Caçadores"
na Rua Nova (hoje Andrade Neves), famoso cabaré-concerto, fundado por Luiz Alves de Castro
o "Lulu dos Caçadores" e dirigido pelo cabaretier Raul Noriac, que havia apresentado a Vicente Pereira uma linda francesa. seu amor do momento. A revista "Mascara" de 1919 em um de seu primeiros numeros estampa a foto de Vicente Pereira, embecado, recebendo publicamente agradecimentos pela sua atuação durante a epidemia da gripe espanhola, e dizendo ser o diretor da Escola Medico-cirurgica. A rivalidade entre a Escola Medico-cirurgica foi a grande luta da Faculdade de Medicina e Pharmacia pois era particular e ensinava durante seis anos e tinha o Hospital de Ensino a Santa Casa. O Dr. Vicente Pereira ao ser diretor da Medico-cirurgica, que foi agraciada por Borges de Medeiros com um predio ainda existente na Praça no Alto da Bronze, onde funcionou por muitos anos uma Auditoria Militar. A Medico-Cirurgica foi fechada em 1932, no mesmo decreto de Vargas, que regulamentava a profissão medica. Vicente Pereira em 1920 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde havia comprado extensa area de terra no Leme, onde foi construido o primeiro tunel de acesso a Copacabana (Tunel Novo). e tornou-se milionario. Apos 1925 não tivemos mais fontes da vida de Vicente Pereira. Nicanor Letti, site nicanor.letti@terra.com.br
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