Ao perceber o estalido do trinco da porta, Julio de Castilhos fixou o olhar na entrada e divisou a figura grisalha e de cavanhaque do Dr. Protasio Alves que entrava no gabinete. O médico colocou seu astrakan no cabide e mal conseguiu ouvir a voz rouquenha do desafio: De um jeito na minha garganta, estou afonico desde a visita ontem do Gen. Lima. Na casa da frente Dona Josefa viu pelo desvão da cortina o cavalo da charrete do médico, atado na argola do moirão e gritou para sua mana: Ih.. o doutor Julio esta rouco e o Protasio vai meter nitrato na garganta do pobre e ele vomitará tudo na janela dos fundos! O médico, calmamente sentou-se numa marquesa e disse filosoficamente: Julio a voz é o prego onde penduras todos os teus problemas. Enganas-te, respondeu, o prego que falas são minhas mãos atraves da pena e elas estão boas, o que tenho na garganta é doença, não é excesso, acrescentou aborrecido. Referia-se a capacidade incrivel de escrever cartas, bilhetes, editoriais ou artigos politicos e a dificuldade que tinha com a voz. Relata o Gen. Fernando Setembrino de Carvalho ter conhecido Castilhos, rouco, durante a Primeira Constituinte da Republica em 1891, e não suportava a fala em demasia ou de maneira prolongada. Na Santa Casa, dias apos, Protasio visitou as parturientes das salas do Curso de Partos, que fundara naquele ano de 1896 e foi ate a Enfermaria do Dr. Carlos Wallau solicitando um particular. No gabinete contou-lhe que atendera Castilhos em sua residencia. Alem de rouco, como de habito, estava agora dispneico. Álguma tiragem? perguntou Wallau. Só costal, acescentou Protasio. Estou preocupado com os sintomas do Presidente, uma rouquidão esta cheirando a alguma neoplasia. Será uma tragédia para a politica do Estado, arrematou Wallau de sobrecenho carregado. Protasio estremeceu e sacudindo a cabeça despediu-se desolado. Castilhos, entretanto, surpreendeu-os. Alguns dias depois estava melhorado e agradeceu num bilhete aos "preclaros esculapios". Passava longos fins de semana em sua chacara, cavalgando e cuidando da voz. Inclusive em 1897 recusou a candidatura a Presidencia da Republica como lhe propusera Floriano Peixoto. Ainda neste ano, visitou Caxias onde a denominou, em discurso famoso: "Perola das Colonias" codinome ate´hoje repetido. Traçou no discurso os grandes principios que os historiadores chamariam de castilhismo. Disse: "que o Partido Republicano Riograndense tinha um chefe, um programa e uma disciplina" que era "rigorosamente um partido e não um aglomerado de facções" e que os republicanos sempre deveriam ser "intransigentes com os principios e tolerantes com os homens" e que "nunca fariam oposisção sistemática nem lhes dariam apoio incondicional". Mas no final ficou afônico e permaneceu muitos dias acamado.Em julho de 1898, coordenou o acerto pessoal entre Alfredo Leal e Protasio Alves, Ambos diretores da Escola Livre de Farmacia e do Curso de Partos, resultando na fundação da Faculdade de Medicina e Farmacia de Porto Alegre, a terceira a ser criada no Brasil. No mesmo ano entregou o governo ao seu sucessosr eleito o Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros, dedicando-se ao jornal " A Federação" e a Presidencia do Partido Republicano RioGrandense (PRR). Em 1902 Castilhos tornara-se arredio, não acreditava mais em solução do seu problema da voz, queixava-se aos amigos nos seus bilhetes dos inumeros colutorios, cauterizações, lavagens que os médicos o submetiam. Alude inclusive a um tratamento de massagens elétricas recem descoberto na Europa que fora tentado. Todas as tardes ao se dirigir para casa na rua da Igreja, evitava subir a Ladeira pela canseira e ofegação que sentia, o que era surpreendente para um homem de apenas 42 anos. Nunca foi comentado de Castilhos ser fumante. Apenas num bilhete ele agradece ao remetente de um fumo muito bom do interior do Estado. Durante o inverno gripara-se varias vezes, a voz piorou, a dispneia era mais intensa e apresentava dificuldade para deglutir alguns alimentos, como confessou em carta ao Dr. Aurelio Verissimo de Bittencourt, seu secretario e comissario politico. Protasio algum tempo depois foi avisado que Julio de Castilhos queria ve-lo pois não se sentia disposto. Encontrou-o recostado, ofegante e com grande tiragem supra-external e costal e ao movimentá-lo para o exame notou-o cianótico. Horas após, Dona Josefa avisava sua irmã: o Dr. Julio deve estar mal, estão la na casa o Dr. Serapião Mariante, Carlos Wallau e o Dioclecio Pereira. Ih. Maria será que ele esta peleando em retirada e sem munição! Pobre Dr. Julio! Os medicos preparavam tudo para realizar a traqueotomia. Wallau trouxera os instrumentos e era perito em realizar a intervenção que consistia em colocar uma canula metalica na traqueia incisando na base do pescoço. Protasio incumbira-se de convence-lo a permitir a operação e explicava tudo aos familiares presentes. A noticia espalhava-se como penas na ventania e a casa começou a ficar repleta de politicos e conhecidos. Na sala dos fundos do primeiro andar prepararam a improvisada mesa cirurgica e Castilhos foi conduzido ate lá. Ao ver que Dioclecio manejava a mascara de Ombredanne perguntou: quem me cloroformisa? O Dioclecio, respondeu Protasio. Então estou tranquilo. Ao ser conduzido para a mesa. Wallau que estava arrumando os instrumentos, com as mãos lavadas disse-lhe: Coragem Presidente! Castilhos após fixar os olhos no médico e arquejante respondeu: "coragem eu tenho o que falta é o ar"! O cheiro do cloroformio instilado na mascara por Dioclecio espalhara-se pela sala e Castilhos contido pelos cirurgiões debatia-se sufocado. Rapidamente Wallau, auxiliado por Protasio, incisou verticalmente a base do pescoço, mantendo o dedo sobre a cartilagem cricoide para se orientar. Encontrou a traqueia e abriu-a, mas o estertor tussigeno caracteristico não aconteceu. Dioclecio apavorado tomou-lhe o pulso e não o sentiu Protasio ainda comprimiu o torax mas não obteve resultado. O cloroformio e a dificuldade respiratoria haviam matado o mais famoso politico gaucho. Morria ingloriamente aquele que os historiadores denominaram de Patriarca do republicanismo rio-grandense, junto com Venancio Ayres o apostolo, Ernesto Alves o puro, Pinheiro Machado o homem de ação e Borges de Medeiros o incorruptivel, plasmaram um numero enorme de politicos que influenciaram decisivamente na politica gaucha e nacional até a decada de 1950. A disfonia, o cancer laringico e a traqueotomia, tres problemas importantes da otorrinolaringologia de todos os tempos estiveram ligados, nos albores do seculo em Porto Alegre, centralizados na figura notavel de Julio de Castilhos. Aquele que com apenas 31 anos havia escrito em 1891 um dos mais famosos documentos do nosso seculo: a unica constituição republicana positivista, baseada no ideario sociologico de Augusto Comte, que esteve em vigor no RGS ate 1930.
parabens Dr. Nicanor Letti o artigo eh muito bom,especial de primeira temos uma aula de conhecimentos gerais do nosso querido estado,meu falecido avo era do ano de 1896,chamava-se Deoclecio Godinho Porto e era do tempo do saudoso Borges de Medeiros,mais uma vez obrigado pelo artigo. OK! Antonio Ferraz acpferraz@brturbo.com.br
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