Faculdade de Medicina da UFRGS

O estudante de medicina- Sergio Ortiz Porto

A chegada é sempre igual. O sujeito vem meio sestroso, meio desconfiado, pelos cantos....Mas fomos entrando. Ser médico no nosso raciocinio mágico era um avental branco. Não era. Eram os cadáveres congelados, era a microscopia das glandulas, os germes e os vermes. Não houve nem introdução; a verdade foi logo chegando. Sem maior aviso começaram a nos ensinar nomes de mil buraquinhos, saliencias e reentrancias de um corpo que antes parecia tão simples: cabeça, tronco e membros. (A Anatomia Humana é o primeiro pontapé nas ilusões). Nos vínhamos de muitos livros pequenos e nos deram uns poucos livros grossos. Tudo bem (menos matéria, parecia mais facil). Não era. Era uma armadilha: queriam que soubessemos a inesgotavel variabilidade do Ser Humano. Só. Assim como se nada fora......E assim--sem mais nem menos -- A Escola de Medicina abria-nos portas e nos deixava na prisão das suas veias, dos seus músculos, do pus, do sangue e dos terrores. Pelo qual deviamos caminhar. É claro que aqueles hospitais terriveis do fim do século que os filmes escuros nos historiavam não existiam mais. Naquele periodo - 55 a 62 - a Escola já ingressara na ante-sala da Medicina Moderna. Foram criadas (recriadas?) as disciplinas Fundamentais: a Clinica, a Pediatria, a Obstetricia e a Cirurgia. E dois professores - Rubens Maciel e Eduardo Faraco -iniciavam um novo sistema de treinamento: a Residencia Medica. Darcy Ilha realizava as primeiras incursões sobre os interiores do coração vivo; Ivan Faria Correa operava pulmões inacreditáveis; José Job começama a olhar o esôfago e estômagos com periscópios médicos; e, la na Enfermaria 33, o Prof. Barata seguia uma sábia e elegante carreira. Vai daí tudo parecia suficiente. Mas não era. Nos vinhamos de ruas onde o medo era pouco. Podia-se caminhar por elas! Era como se tudo estivesse, de repente, acontecendo no Brasil. Mario de Almeida nos introduzia o gosto pelo Teatro Popular. Jorge Amado dava o seu maior (e último!) grande grito com Gabriela. Não nos ensurdecia o epiléptico barulho musical importado. Nos chegava-nos com o Chico, com o Tom e o Jorge Bem. Do velho-moço Vinicius......Nos exportavamos. Chegavam conosco Caetano e Betânia; Noel Rosa e Caimy continuavam. E, portanto, nos sobrava espaço para ouvir. Era muito alegre! Se voces sentarem um dia com esse calmo e sofrido conhecedor da noite porto-alegrense -o Carlilnhos do Treviso - ele lhes dirá sem vacilar que a mais esfusiante noite da cidade foi 57 a 62. E, então, não há só saudosismo. Há um claro testemunho. Perguntem. Ele dirá. E não havia a droga. Mas a escola tambem não deixava por menos. À sombra da euforia cientifica surgiram alguns jovens professores - Tuiskon Dick, Nilo Medeiros, Oli Lobato, Nelson Porto, Carlos Grossman, Mario Rigato e outros - que andavam pelos trinta anos de idade, e , até por isso, se pareciam conosco. Não eram barbudos, nem proverbiais. Portanto nos deixavam a vontade no mundo daquelas imensas paredes, arcos, vitrais, colunas, escadarias, mármores cobras de bronze, mofos e teias. A velha Escola vestida de novos métodos e técnicas, acompanhada pelos seus jovens amigos, maquilada, tendo feito uma plástica, queria ser - e era bela e absorvente. Mas não suficientemente. Nós vinhamos da Carta do Getúlio. Lacerda esbravejava. Juscelino ria. Nos queriamos (vejam só) as reformas de base. A Eletrobras. A Petrobras. Da nossa intensa vida politica, não fazia parte é verdade - o óbvio - a luta pela Democracia. Em 1945 nos éramos apenas garotos. Portanto nós tinhamos mais que uma vaga lembrança do que fosse a ausencia do que nos tínhamos. E, pois, nem entendiamos muito bem por que o Prof. Othelo Laurent, no cientifico, nos ensinava que o grande crime do Estado Novo fora ter privado toda uma geração da atividade politica. Só em 1961, quando um pitoresco senhor chamado Janio Quadros se atirou do poder é que nós soubemos um pouco mais. É verdade que o aprendizado todo durou apenas uma semana. Tempo, certamente, insuficiente para um aprendizado real. Por essa época o Brasil foi bi do mundo no futebol. Surgiu Pelé - o gènio - campeão do mundo aos 17 anos, idade que nem eleitor era. Por isso, talvez, agora, não julque necessário. Em tenis Maria Ester Bueno foi tricampeã do mundo. E o pequeno Eder Jofre estraçalhava caras pela terra toda. Por aqui, Erico Verissimo havia terminado "O Tempo e o Vento" não só para nós mas para muitos outros povos. Parecia que em todas as áreas - na literatura, na arte, na musica, no esporte e no etc. - o Brasil havia se transformado num exportador de Talento. O futuro parecia ter chegado. Parecia......era tudo uma grande vida de estudante. O futuro está sempre chegando.Até para a velha Escola de Medicina. É preciso estar sempre começando, retocando, polindo, refazendo, voltando, indo, parando e prosseguindo.Só não é permitido cansar. Mas que aquele foi um periodo fantastico, ah! isso foi! Aos que não souberam ve-lo, ouvi-lo, cheira-lo, tocá-lo; aos que nada-ensinou; aos que sairam vazios; aos que não foram jovens na juventude; a esses só lhes resta relinchar. Pois que relinchem. Nicanor Letti site nicanor.letti@terra.com.br.






Nenhum comentário:

Postar um comentário