Quando entrei para a Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1928, a Escola era jovem, tinha apenas 30 anos. Eu, rapazote, só olhando em frente, não atinei com esse detalhe. No entanto era importantissimo. A minha Faculdade era tão adolescente quanto eu, como individuo, com 19 anos. Não obstante, sobrepondo-se a obstaculos sérios, inclusive oficiais,marchava acelerada e decidamente à maturidade. Ate la construira sede propria, definindo desse modo concreto, entre os demais estabelecimentos de ensino superior da Capital e do Estado a sua identidade física. Referindo-se a esse fato Miguel Couto em 1927 disse textualmente: "Vós andastes muito depressa", Eu só entraria para a Faculdade no ano seguinte, mas já andava por lá, bisbilhotando. Essa conferencia do renomado professor foi no salão nobre, por ocasião dum congresso brasilleiro de medicina, congresso esse, que deu pano para as mangas do ponto de vista politico. O ano de 1927 completava os vinte e cinco do governo do Borges de Medeiros. O Pacto de Pedras Altas com o qual se pôs fim à revolução de 1923, introduzira alterações importantes na constituição do Estado "a mais sábia do mundo" mas ainda ficaram intatos muitos tópicos que deveriam ser modificados. Entre eles o referente a liberdade profissional derivada diretamente do positivismo de Castilhos. Pois bem, em pleno congresso , surgiu uma moção do dr. Simões Lopes , de Pelotas, contra a liberdade profissional. Foi um Deus nos acuda. O borgismo alçou-se. Capangas armados invadiram o plenário. A estudantada estava como queria, no seu clima de protesto. Na hora do fervo mesmo, quem presidia a sessão era o prof. Fernando Magalhães , outra figura proeminente da medicina nacional que viera do Rio , junto com Miguel Couto. Para serenar os animos, ele pediu aos estudantes que se retirassem do recinto. Houve protestos mil. O efeito foi cômico e os rapazes começaram a sair para o saguão, onde, em seguida se exaltaram outra vez. Fernando Magalhães deixou a presidencia e foi atras deles. No saguão, trepou numa cadeira e, orador como era, conseguiu mais ou menos serenar os animos dominar as labaredas da turba-multa. Nesse meio-instante surgiu na porta do saguão o proponente da moção revolucionária. Bem, nunca mais, nos seus oitenta anos, a Faculdade de Medicina viveria outro momento de vibração como aquele. O dr. Simões Lopes foi carregado nos ombros dos jovens, escadaria abaixo, aos gritos de vivas e morras proprios de tais ocasiões. Hoje uma manifestação semelhante àquela não seria possivel. Sim, lógico, pelo sistema imperante, pensará o leitor. E eu acrescentarei algo mais: por que a nossa escola perdeu sua identidade ao sair da sua sede e esparramar-se em diversos prédios, de tal maneira que a gente, não estando muito por dentro do que se passa, não acha a Faculdade. O maleficio que essa descaraterização esta acarrentando, para a formação médica dos alunos da Faculdade de Medicina já se faz notar. Apesar de jovem, em 1928 a Faculdade mostrava-se vivendo um processo de maturação. Haja vista os nomess que se destacavam entre os professores. Sem falar em Sarmento Leite, que é um caso à parte, lembrarei Annes Dias, Otavio de Sousa, Aurelio Py, Guerra Blessmann, Martim Gomes, Luiz Guedes e Fabio de Barros. Em 1928 Annes Dias já desfrutava de um nome nacional dentro da medicina, graças aos seus livros de clinica médica, pois chegou a editar uma serie de cinco volumes. Sua coragem de enfrentar as dificuldades provincianas para iniciativas dessa natureza valeram-lhe inúmeras criticas, a maioria delas por inveja. Annes Dias era um mau escritor, mas ia para frente, escravatara bibliografia do assunto e defendia ardorosamente suas idéias, pois era um homem de idéias, pensava, sabia arquitetar hipóteses cientificas e se entusiamava num assunto. Como a úlcera duodenal foi um exemplo entre outros que o impolgava. As analises de laboratorio eram seus interesses ao lado dos Rx, em desenvolvimento. Foi amigo dos politicos da época. E Flores da Cunha em 1934 o fez deputado federal e Getúlio lhe presenteou a cátedra da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que vagara com a morte de Miguel Couto. Aurélio Py era de temperamento diferente dos seus colegas clinicos. Expansivo, arrebatado, politico borgista e grande desportista. Quando chegou a hora de me matricular na Faculdade de Medicina, eu estava seco, não tinha tostão. Falei com o Lino de Mello e Silva que viria a ser seu genro e ele comunicou ao Aurél.io minha situaçao. No outro dia o Prof. Aurelio Py levou-me à Secretaria do Interior e saí de lá com a matricula garantida pelos seis anos de estudos médicos. Viva a gauchada. Se não fosse o gesto de Prof. Aurélio Py, não sei, francamente o que seria do meu destino.Nicanor Letti´- site: nicanor.letti@terra.com.br.
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