No Departamento de História de uma Universidade americana em 1974, um estagiário comentava a influencia positivista sobre Getúlio Vargas e das fontes bibliográficas que citava havia uma cronica famosa de Sergio Jockymann, "Uma sombra nas ruas" publicada apos o suicidio daquele Presidente. Como Vila Velha , primeiro e segundo volume, estão fazendo bulha fui ler os tais como dizia Mario de Andrade. São crônicas jornalisticas, ao estilo do meu tempo, mas dissecam num corte vertical a formação e integração de uma área riograndense rica de conteudo sociologico e antropologico. Palmeira e Cruz Alta, onde o jovem escritor adolescente sofreu as primeiras inundações dos corpos cavernosos e levantou o olhar para a vida que o cercava, são o resultado de um cruzamento etnologico sui generis. Encontraram-se naquelas paragens os descendentes dos tropeiros sorocabanos com olfato telúrico se tornaram estancieiros, os indios missioneiros aguçados pelos padres espanhois e os imigrantes italo-germanicos que estavam ocupando as terras devolutas e portavam um know-how adiatadissimo para a época no amanho da terra. Estes elementos atraves dos conflitos pela posse da terra, na politica pelo dominio da Intendencia, e no ranger aconchegante e coordenado das camas de ferro, geraram uma população mesclada e altiva que de 1910 a 1940 transformaram economicamente o Alto-Uruguai. A sociogenese destes fatos é a fição de Sergio Jockymann que não se preocupa com o friso das calças como fazia Alcides Maya, como o heroismo pampiano de Roque Callage ou com a filosofia galponiana de Darcy Azambuja. Lança-se direto ao estudo da hierarquização do mandonismo coronelista dos donos da terra infiltrados pelo trabalho e ascensão do elemento da colonia que lhe roia as entranhas partindo do mato. Era a época que a politica se fazia à rabo-de-tatú. "A mancha de campos naturais da área moldou um tipo de homem especial, pastoril e guerreiro, em que o peão é um soldado natural de cavalaria e o fazendeiro um caudilo em potencial" como afirma Mozart Pereira Soares. Ao lado dos primeiros com Athanagildo Pinto Martins, do cel. Romão Luciano de Souza (Bicaco), Serafim de Moura Reis e Valzumiro Dutra, encontramos o elemento imigrante com os nomes de Westphalen, Fetter, Kraft e outros. Dos onze distritos de Palmeira: Campo Novo, Nonohay, Goyo-en, Faxinal da Guarita tinham grande população indígena existia Neu Wurtemberg, reduto da colonização alemã e Irai com suas águas do Mel, hoje novos municipíos. Palmeira é um modelo político onde o tripé conservador: coronel, delegado, padre sempre venceram as eleições. O entrechoque desta fauna humana, suas misérias e suas dependencias. é a atração das cronicas de Jockymann. A pandega politica gerou na área dois tipos de caudilhos: na mata e nos ervais o "caudilho a pé" com Leonel Rocha dominando os caminhos das grandes florestas, e na região pampiana o "caudilho a cavalo" de topete garibaldino, cuja figura máxima foi Valzumiro Dutra. Era a epoca do Café Central, do Club Comercial, do viajante mentiroso e fofogueiro, da india benzedeira, do Ford de Bigode, do querozene Jacaré, da roda de bilhar, da casa da Zoé e do Padre Afonso. Erico Verissimo individualiza atuação dos seus personagens e os conduz às culminancias da politica nacional, tendo como figura de proa a José Gomes Pinheiro Nachado, provando que os politicos gauchos verticalizaram-se no Pais de maneira notavel, enquanto que o Banco Pelotense, uma organização economica riograndense, nasceu, esplendorou e morreu no fim do governo Borges de Medeiros e no Inicio de Vargas no Piratini. Jockymann permanece na cozinha no máximo acompanha o coronel até Porto Alegre faz uma visitinha ao Clube dos Caçadores, enquanto espera a audiência, sempre solene, para receber ordens, e não alçar outros voos. De maneira magnifica compreende a filosofia da Carta Positivista no comando da politica rio-grandense e a burocratização do coronel intendente. Solucionador por excelencia das picuinhas locais e que só organizará e utilizará forças a mando do poder estadual. O contrário acontecia em outras areas do território nacional, onde os coroneis agiam e mantinham força armada própria e independente, como o demonstra Victor Nunes Leal no seu "Coronelismo, Enxada e Voto". Na cronica de Jockymann sente-se outra obra notavel da politica riograndense da ápoca, criando a Comissão de Terras e Colonização (Estabelecida em Palmeira 1917), distribuia a terra e emitia os títulos de propriedade. Esta politica inspirada no ideário positivista transformou proletários europeus em pequenos proprietários no Rio Grande do Sul, o contrário do que acontecia com o mesmo elemento humano nas fazendas de São Paulo. Daí o esteio politico que o Partido Republicano Riograndense sempre teve na colonia alemã e italiana. Não escapa ao ficcionista o aspecto burlesco e deletério que ocasionou a liberdade profissional, sob a égida da doutrina positivista, proliferando em todo estado o charlatanismo, principalmente médico por elementos espertos vindos da Italia e Alemanha. Vila Velha é um Guarda-louça gaucho onde encontramos a vagem recem-colhida, o tomate, o chucrute, o doce de abóbora, a polenta, o charque, o lombinho de porco e a feijoada. Na prateleira do meio esta a analise da perda de compustura dos subalternos do coronel da vila até o frigir dos ovos das conversas de campanario de milhares de seres que nasceram, vivenciaram e morreram na agua morna de uma vida de inexpressiveis favores aos donos da terra e da ascensão artesal dos descendentes dos imigrantes europeus. É sociologia fina com cheiro das campinas e das matas infindas que ornavam o Alto Uruguai.
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